Osvaldo Haruo Nakiri
Um mercado no qual “as tradições fazem a diferença”. Assim é a indústria de seguros japonesa, nas palavras do nissei Osvaldo Nakiri, analista de risco e integrante da equipe de colaboradores da Cadernos de Seguro. Além de assinar o artigo de capa desta edição, ele é o convidado da “Cadernos Entrevista” para contar um pouco mais sobre como funciona o seguro na terra de seus antepassados. E pelo que parece, toda a obediência, tolerância e consciência de preservação, tão presentes na cultura nipônica, refletem-se também no mercado de seguros local. Sempre detalhistas e precavidos, os habitantes da terra dos samurais, das gueixas e do origami também usam a sensibilidade e a inteligência ao trabalhar com seguros. Vide a forma que as viúvas japonesas encontraram para sobreviver no pós-guerra: a venda de seguros de vida. “As mulheres sabem expor melhor que os homens a utilidade/necessidade de um seguro de vida, até pela estabilidade e segurança econômica da família”, explica o analista. A grandiosidade dessa economia, que cresce a olhos vistos, também deve ser respeitada, afinal, são poucos os países que podem ostentar o fato de possuírem “cerca de 90% da população portadora de um seguro de vida e aproximadamente 99% da frota de automóveis segurada”, como afirma Nakiri. Para o Brasil, o status de maior colônia japonesa do mundo pode se traduzir em um aumento do market share das companhias nipônicas no país com a abertura do resseguro e, sem dúvida, na imensurável contribuição desse povo em termos de cultura e experiência na área de seguros. Neste primeiro centenário da imigração japonesa para o Brasil, Nakiri lembra que é preciso “pensar nas futuras gerações” e não apenas no “aqui e agora”, no lucro a qualquer custo. “Devemos esquecer um pouco o individualismo e lembrar mais do social”, frisa.
Cynthia Magnani
Como fica claro em seu artigo, o povo japonês é muito atento ao que existe de mais moderno, sem descuidar das tradições. Passado e futuro também andam juntos nas seguradoras japonesas?
Sim. Em seguradoras, como em outras empresas japonesas, as tradições fazem a diferença. Respeito à hierarquia, preocupação com o bem comum, obediência e lealdade à empresa. Do mesmo modo, a empresa cuida dos seus, embora nos últimos tempos tenha havido alguma mudança neste particular. Normalmente o japonês faz do local de trabalho sua segunda casa; alguns, até a primeira. Não é comum a troca freqüente de emprego na procura por ascensão profissional.
Ultimamente as seguradoras japonesas estão se lançando ao exterior. A Tokio Marine, por exemplo, adquiriu a Philadelphia Consolidated Holding por US$ 4,7 bilhões, após adquirir por US$ 881 milhões a Kiln, uma seguradora londrina. É uma questão de crescer ou morrer, pois no Japão os rendimentos dos investimentos estão ficando deficitários, por conta da ínfima taxa de juros paga pelo mercado, o que, em 2006, levou algumas seguradoras do ramo vida à falência.
Quais outras tradições influenciam o modo de fazer seguro no país?
Uma em particular surgiu no pós-guerra. Em função da morte de seus maridos, mulheres entraram no mercado para vender seguro de vida, por uma questão de necessidade e também por falta de experiência profissional. Coincidência ou não, as mulheres, por serem ao mesmo tempo donas-de-casa, sabem expor melhor que os homens a utilidade/necessidade de um seguro de vida, até pela estabilidade e segurança econômica da família. No Brasil, agora que se fala tanto em microsseguro, certamente a mesma estratégia poderia ser aplicada.
Quantas seguradoras japonesas operam no Brasil atualmente, e quais são as suas especialidades?
São três: Tokio Marine, Mitsui Sumitomo e Yasuda. Todas tradicionais do mercado japonês – a Yasuda, por exemplo, foi fundada em 1887 –, operando basicamente nas carteiras de automóvel, patrimoniais e vida.
O que essas empresas trazem, em termos de cultura nipônica, para os clientes brasileiros?
Controles rigorosos visando à melhoria constante na qualidade dos serviços prestados. Entre as três seguradoras citadas, aquela na qual se percebe uma maior influência brasileira, aparentemente, é na Tókio Marine.
O senhor acredita que, com a abertura do resseguro, mais companhias japonesas deverão vir para o Brasil?
Provavelmente não, pois as maiores já estão aqui instaladas. O que pode acontecer é ampliarem o seu market share. A Mitsui Sumitomo, por exemplo, recentemente fez um aporte importante de divisas. A Tokio Marine comprou parte dos negócios da Real Seguros, penetrando no mercado de seguros de pessoa física. A Yasuda certamente deve seguir essa tendência. Outra possibilidade futura seria a entrada das três seguradoras no mercado de resseguros brasileiro. Dependerá da evolução do mercado que, tudo indica, vai de vento em popa.
O que seus pais falavam sobre o Japão?
Minha mãe falava muito sobre lendas japonesas e nos assustava quando crianças. Como ela era de Kumamoto, da área rural, conhecia bem o assunto.
Contava que, no inverno, os pais esquentavam pedras no fogo e, segurando-as, as crianças iam para a escola através da neve.
Em caso de terremoto, a recomendação era para correr e se abrigar dentro do bambuzal, onde o emaranhado de raízes e caules protegia melhor em caso de fendas no solo. Dentro do bambuzal, na primavera, ainda era possível achar pontos onde a neve não havia derretido, fazendo a alegria das crianças.
As casas japonesas de madeira, como ainda hoje, não tinham necessariamente portas como aqui no Brasil, porque os ladrões (os poucos que pudessem existir), se pegos, eram rigorosamente punidos. Sendo de madeira, também eram mais flexíveis em caso de terremoto, e se desmoronassem eram mais leves, facilitando o socorro. O problema era o incêndio. Quando se alastrava, era o caos.
O que motivou a vinda deles para o Brasil?
Boa pergunta. Nunca fiz esse questionamento, e agora é tarde demais. Imagino que, como todo imigrante, vieram em busca de uma vida melhor, de melhores oportunidades. Senão, precisariam ser malucos para largarem tudo e virem para um país do outro lado do planeta, onde tudo, simplesmente tudo, era diferente do que conheciam. Além do mais, certamente houve uma propaganda governamental a favor. “Douraram um pouco a pílula”, o que não é estranho nem incomum.
O que o centenário da imigração japonesa significa para o senhor?
O centenário significa, de alguma forma, um retorno ao passado dos meus pais, uma oportunidade ímpar de conhecer um pouco mais as contribuições e influências dos japoneses e seus descendentes. É um fato importante, até para o próprio Japão, que enviou o seu príncipe para participar das comemorações. E isso não é comum.
Um mercado no qual “as tradições fazem a diferença”. Assim é a indústria de seguros japonesa, nas palavras do nissei Osvaldo Nakiri, analista de risco e integrante da equipe de colaboradores da Cadernos de Seguro. Além de assinar o artigo de capa desta edição, ele é o convidado da “Cadernos Entrevista” para contar um pouco mais sobre como funciona o seguro na terra de seus antepassados. E pelo que parece, toda a obediência, tolerância e consciência de preservação, tão presentes na cultura nipônica, refletem-se também no mercado de seguros local. Sempre detalhistas e precavidos, os habitantes da terra dos samurais, das gueixas e do origami também usam a sensibilidade e a inteligência ao trabalhar com seguros. Vide a forma que as viúvas japonesas encontraram para sobreviver no pós-guerra: a venda de seguros de vida. “As mulheres sabem expor melhor que os homens a utilidade/necessidade de um seguro de vida, até pela estabilidade e segurança econômica da família”, explica o analista. A grandiosidade dessa economia, que cresce a olhos vistos, também deve ser respeitada, afinal, são poucos os países que podem ostentar o fato de possuírem “cerca de 90% da população portadora de um seguro de vida e aproximadamente 99% da frota de automóveis segurada”, como afirma Nakiri. Para o Brasil, o status de maior colônia japonesa do mundo pode se traduzir em um aumento do market share das companhias nipônicas no país com a abertura do resseguro e, sem dúvida, na imensurável contribuição desse povo em termos de cultura e experiência na área de seguros. Neste primeiro centenário da imigração japonesa para o Brasil, Nakiri lembra que é preciso “pensar nas futuras gerações” e não apenas no “aqui e agora”, no lucro a qualquer custo. “Devemos esquecer um pouco o individualismo e lembrar mais do social”, frisa.
Cynthia Magnani
Como fica claro em seu artigo, o povo japonês é muito atento ao que existe de mais moderno, sem descuidar das tradições. Passado e futuro também andam juntos nas seguradoras japonesas?
Sim. Em seguradoras, como em outras empresas japonesas, as tradições fazem a diferença. Respeito à hierarquia, preocupação com o bem comum, obediência e lealdade à empresa. Do mesmo modo, a empresa cuida dos seus, embora nos últimos tempos tenha havido alguma mudança neste particular. Normalmente o japonês faz do local de trabalho sua segunda casa; alguns, até a primeira. Não é comum a troca freqüente de emprego na procura por ascensão profissional.
Ultimamente as seguradoras japonesas estão se lançando ao exterior. A Tokio Marine, por exemplo, adquiriu a Philadelphia Consolidated Holding por US$ 4,7 bilhões, após adquirir por US$ 881 milhões a Kiln, uma seguradora londrina. É uma questão de crescer ou morrer, pois no Japão os rendimentos dos investimentos estão ficando deficitários, por conta da ínfima taxa de juros paga pelo mercado, o que, em 2006, levou algumas seguradoras do ramo vida à falência.
Quais outras tradições influenciam o modo de fazer seguro no país?
Uma em particular surgiu no pós-guerra. Em função da morte de seus maridos, mulheres entraram no mercado para vender seguro de vida, por uma questão de necessidade e também por falta de experiência profissional. Coincidência ou não, as mulheres, por serem ao mesmo tempo donas-de-casa, sabem expor melhor que os homens a utilidade/necessidade de um seguro de vida, até pela estabilidade e segurança econômica da família. No Brasil, agora que se fala tanto em microsseguro, certamente a mesma estratégia poderia ser aplicada.
Quantas seguradoras japonesas operam no Brasil atualmente, e quais são as suas especialidades?
São três: Tokio Marine, Mitsui Sumitomo e Yasuda. Todas tradicionais do mercado japonês – a Yasuda, por exemplo, foi fundada em 1887 –, operando basicamente nas carteiras de automóvel, patrimoniais e vida.
O que essas empresas trazem, em termos de cultura nipônica, para os clientes brasileiros?
Controles rigorosos visando à melhoria constante na qualidade dos serviços prestados. Entre as três seguradoras citadas, aquela na qual se percebe uma maior influência brasileira, aparentemente, é na Tókio Marine.
O senhor acredita que, com a abertura do resseguro, mais companhias japonesas deverão vir para o Brasil?
Provavelmente não, pois as maiores já estão aqui instaladas. O que pode acontecer é ampliarem o seu market share. A Mitsui Sumitomo, por exemplo, recentemente fez um aporte importante de divisas. A Tokio Marine comprou parte dos negócios da Real Seguros, penetrando no mercado de seguros de pessoa física. A Yasuda certamente deve seguir essa tendência. Outra possibilidade futura seria a entrada das três seguradoras no mercado de resseguros brasileiro. Dependerá da evolução do mercado que, tudo indica, vai de vento em popa.
O que seus pais falavam sobre o Japão?
Minha mãe falava muito sobre lendas japonesas e nos assustava quando crianças. Como ela era de Kumamoto, da área rural, conhecia bem o assunto.
Contava que, no inverno, os pais esquentavam pedras no fogo e, segurando-as, as crianças iam para a escola através da neve.
Em caso de terremoto, a recomendação era para correr e se abrigar dentro do bambuzal, onde o emaranhado de raízes e caules protegia melhor em caso de fendas no solo. Dentro do bambuzal, na primavera, ainda era possível achar pontos onde a neve não havia derretido, fazendo a alegria das crianças.
As casas japonesas de madeira, como ainda hoje, não tinham necessariamente portas como aqui no Brasil, porque os ladrões (os poucos que pudessem existir), se pegos, eram rigorosamente punidos. Sendo de madeira, também eram mais flexíveis em caso de terremoto, e se desmoronassem eram mais leves, facilitando o socorro. O problema era o incêndio. Quando se alastrava, era o caos.
O que motivou a vinda deles para o Brasil?
Boa pergunta. Nunca fiz esse questionamento, e agora é tarde demais. Imagino que, como todo imigrante, vieram em busca de uma vida melhor, de melhores oportunidades. Senão, precisariam ser malucos para largarem tudo e virem para um país do outro lado do planeta, onde tudo, simplesmente tudo, era diferente do que conheciam. Além do mais, certamente houve uma propaganda governamental a favor. “Douraram um pouco a pílula”, o que não é estranho nem incomum.
O que o centenário da imigração japonesa significa para o senhor?
O centenário significa, de alguma forma, um retorno ao passado dos meus pais, uma oportunidade ímpar de conhecer um pouco mais as contribuições e influências dos japoneses e seus descendentes. É um fato importante, até para o próprio Japão, que enviou o seu príncipe para participar das comemorações. E isso não é comum.